Empresário detido em operação em vinícolas do RS responde por empresa que foi alvo de queixa por trabalho escravo em 2021

Pedro Santana aparece como representante de terceirizada que prestava serviços para Aurora – também citada no resgate ocorrido em fevereiro em Bento Gonçalves –, BRF e Bonapel Embalagens, em processo no qual trabalhador afirma ter sido submetido a condições degradantes. As companhias negam irregularidades.

Empresário detido em operação em vinícolas do RS responde por empresa que foi alvo de queixa por trabalho escravo em 2021
Pedro Santana é investigado por ter mantido 207 pessoas em trabalho semelhante a escravo em Bento Gonçalves. - Foto: Rogério Loss / Arquivo Pessoal

O empresário Pedro Augusto de Oliveira Santana, preso em fevereiro após manter 201 trabalhadores em condições análogas à escravidão no Rio Grande do Sul, está por trás de uma empresa que, em 2021, foi alvo de uma queixa pelo mesmo crime feita à Justiça do Trabalho.

 

Santana -- que administrava a Fênix, que contratou os trabalhadores resgatados em fevereiro-- assinou documentos como representante da D&G Serviços de Apoio Administrativo, alvo de um processo aberto em 2021 a partir da queixa de um trabalhador. O caso ainda não foi julgado. O advogado de Santana foi procurado, mas informou que não iria se manifestar.

 

Na ação, a defesa do funcionário afirma que ele foi submetido a jornadas de trabalho entre 12 e 16 horas diárias, mantido em acomodações em alojamentos "cujas condições não guardavam a mínima preservação de sua dignidade" e a ameaças e violências.

 

À época, segundo a defesa do trabalhador, ele prestava serviços por meio da D&G para Aurora (na colheita da uva), BRF (no carregamento de frangos) e Bonapel (não foi especificada a atividade), e que elas não fiscalizaram as condições de trabalho em que ele vivia.

 

A Aurora é uma das empresas para as quais trabalhavam homens resgatados em condições análogas à escravidão em fevereiro de 2023. O serviço era prestado por meio da Fênix, também administrada por Pedro Santana, que acabou detido. Ele foi solto após pagar fiança.

 

De acordo com o Ministério do Trabalho, Pedro atua há dez anos com terceirização de serviços com empresas diversas. Ele fecha contratos com as empresas e copta trabalhadores, principalmente da Bahia. No caso da denúncia, o salário era de pouco mais de R$ 5 por hora. Uma de suas empresas, criada em 2012, a Oliveira & Santana, foi autuada 10 vezes por irregularidades trabalhistas.

 

Pedro usava uma das empresas em seu nome para ser o principal investidor do time de futebol Associação Garibaldi de Esportes (AGE). Todos os salários do departamento de futebol eram bancados exclusivamente por Pedro. O valor da folha girava entre R$ 25 mil e 28 mil mensais.

 

'Ofendido, xingado e humilhado'

Na ação, a defesa explica que o trabalhador recebia 2 refeições diárias com quantidade insuficiente de alimentos, e que ele sofria discriminação por sua origem (o homem é baiano, assim como os trabalhadores resgatados na ação de fevereiro), "sendo constantemente ofendido, xingado, e humilhado com palavras de cunho discriminatório".

 

Ainda segundo a defesa, o trabalhador e outros funcionários "viviam em clima de temor, sendo constantemente ameaçados, não das medidas legais legítimas aos empregadores, mas de atitudes de abuso e violência."

 

O trabalhador deve prestar depoimento em juízo sobre o caso, mas a data ainda não foi marcada pela Justiça.

 

"Apurada as responsabilidades, essas empresas serão condenadas. [As empresas ], elas sabem disso, elas conhecem a jurisprudência, as decisões do nosso tribunal em outros casos, elas sabem que vão ter que reparar os trabalhadores e a sociedade. E espero que não se repita mais", diz o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Francisco Rossal de Araújo.

O que dizem os citados

Pedro Augusto Oliveira de Santana

Procurado por meio da sua defesa, o empresário não se manifestou.

 

D&G Serviços de Apoio Administrativo

Em manifestação à Justiça, a D&G disse que as "graves acusações" do trabalhador "não se sustentam" e pede que a ação seja rejeitada. Aponta ainda que, apesar de "humilhações, descontos indevidos, ameaças, fome" e "vínculo análogo à escravidão", o trabalhador voltou a ser contratado pela D&G. Argumenta também ter havido má-fé do denunciante.

 

Aurora

Em nota, a Vinícola Aurora disse que apresentou defesa, nega que o funcionário lhe tenha prestado serviços e afirma que o trabalhador não comprovou no processo a ficha de ponto de quando teria prestado serviço à empresa.

 

"O trabalhador sequer apontou em que período teria prestado serviços para a Vinícola Aurora. O processo está tramitando. Não há julgamento ou juízo de valor. De qualquer forma, a Vinícola Aurora ratifica que todos os seus funcionários, assim como eventuais trabalhadores funcionários de empresas contratadas, cumprem todas as rotinas trabalhistas como jornada de trabalho, equipamentos de proteção individual, exames de saúde, refeições etc. A Aurora sempre foi e é contra qualquer espécie de trabalho análogo a escravidão", diz a vinícola, em nota.

BRF

Em nota, a BRF também disse que o trabalhador nunca constou nos registros de colaboradores terceirizados. Disse ainda que ao ter ciência acontecimentos envolvendo as empresas que prestavam serviços para a vitivinicultura na região, iniciou uma apuração interna em sua base de fornecedores.

A companhia disse ainda que não compactua com práticas análogas ao trabalho escravo.

Bonapel

Diz que o trabalhador nunca prestou serviços à empresa, "nem direta e nem indiretamente", e que não há provas das acusações.

 

Autor: G1

Link: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/03/08/empresario-detido-em-operacao-em-vinicolas-do-rs-responde-por-empresa-que-foi-alvo-de-queixa-por-trabalho-escravo-em-2021.ghtml